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Dossiê da Revista Tempus Actas de Saúde Coletiva

 TEMPUS ACTA   Vol. 5, No 2 (2011) 

Antropologia e Sociologia da Saúde: novas tendências

Miguel Montagner
Soraya Fleischer


Cabe-nos a prazerosa tarefa de lançar ao público o esforço coletivo de um grupo de pesquisadores que, tocados pela importância da saúde e do bem-estar humano na sociedade moderna, lançaram-se ao trabalho na interface ou no próprio campo da saúde.
O que os une é o centro da importância desse dossiê - por nós organizado: o esforço de introdução, divulgação, inovação ou exploração de novos modos de abordar a saúde, ou no jargão das ciências humanas, novos olhares e perspectivas. Modos que ora se referem aos temas abordados, ora aos fundamentos teóricos, métodos e técnicas aplicados, lembrando que para nós, todas as escolhas nesse sentido estão imbricadas.
Abrimos este número especial entrevistando a professora Marie Jaisson, socióloga que vem trabalhando insistentemente sobre o tema da saúde, de uma perspectiva oriunda do mainstream sociológico de mais alta estirpe, a corrente francesa. Depois de estudar a clássica sociologia médica norte-americana com sua ênfase nas profissões em saúde, estudou, sob orientação do também francês Pierre Bourdieu, a economia das especialidades médicas na cidade francesa de Dijon e sua relação com o gênero(1,2). 
Atualmente, em uma volta crítica e corajosa aos clássicos, Jaisson tem propugnado que o pressuposto “fato biológico” da taxa de nascimento ao nascer constitui-se essencialmente por meio do social e do cultural (3).
Essa abertura estrondosa pode ser classificada como uma socioantropologia que se enquadraria na clássica distinção de Robert Strauss (4), uma socioantropologia “da” saúde, externa e preponderantemente crítica ao campo, mesmo matizando ainternalidade da autora no momento da pesquisa e nos seus interesses constantes sobre a saúde. 
Nessa linha de raciocínio, o artigo de Michael Bury (5), que pela primeira vez poderá ser lido em português, apesar de seus milhares de citações e importância na sociologia da saúde contemporânea, representa uma proposta de sociologia “na” saúde muito bem sucedida. Pode-se mesmo indicar uma nova forma de abordagem da saúde/doença que demorou a chegar e se espraiar pelo Brasil. Esse foi nosso objetivo ao traduzi-lo. Seu clássico artigo propõe e desenvolve a idéia que remetem a saúde e o adoecimento muito além da arena médica, mesmo que a ela se refiram. Contamos ainda com um prefácio, do mesmo autor,  especialmente escrito para apresentar aos nossos leitores os desdobramentos de sua proposta que foi seguida, aperfeiçoada ou criticada por outros autores (http://bit.ly/90fRn8) nas quase três décadas que se seguiram.
Como forma de contemplar este objetivo, apresentamos aqui trabalhos que seguem em diversas direções, a nosso ver, problematizando a visão puramente biocentrada do adoecimento.
Inicialmente, três artigos apontam para a perspectiva na qual a antropologia tradicionalmente tem estado assentada, que se voltou à busca da inteligibilidade de culturas indígenas e ribeirinhas ou, ao menos, ligeiramente opacas à sociedade nacional da qual fazem parte. Estes trabalhos apontam para uma dimensão interna ao sistema biomédico, de umasocioantropologia “na” saúde. 
No entanto, a perspectiva não se resume à questão da doença e da relação sujeito/médico/sistema médico. Ela mostra a experiência e o ponto de vista dos sujeitos adoecidos, enfermos ou com uma busca pessoal e simbólica que extravasa para o campo da medicina.
Novamente aqui a perspectiva é a das pessoas que buscam esses tratamentos e os esforços empreendidos para navegar por espaços, linguagens e sistemas de hierarquia biomédicos que nem sempre estão explícitos, de início, como condicionantes necessárias no acesso ao serviço público de novas tecnologias reprodutivas.
Abordando os temas das perspectivas coletivas, temos artigos que elucidam como os grupos sociais, em seu processo uso dos espaços institucionais, elaboram práticas e estratégias de sobrevivência/convivência mediados por suas experiências de vidas e vivências.
De certo modo, retomamos aquia discussão com a qual abrimos esta apresentação, apontando Bourdieu  como pertencente à corrente principal da teoria sociológica e estudou a saúde de forma indireta, por via de orientações como a de  nossa entrevistada Marie Jaisson ou como a de Luc Boltanski (que resultou no conhecido As classes sociais e o corpo). Nesse sentido, Bourdieu poderia ser considerado como pesquisador “da” saúde e não “na” saúde.
Por outro lado, como pudemos ver no delineamento deste número especial, estamos talvez em um momento no qual esta dicotomia está se rompendo de vez no Brasil, a exemplo do ocorrido na Inglaterra e outros países, com o aporte simultâneo de pesquisas e pesquisadores de ambas as arenas, internas e externas ao campo da saúde, com métodos e teorias inovadoras ou já consolidadas, mas com uma perspectiva proveniente dos sujeitos envolvidos, da significação social do adoecimento e implodindo o olhar exclusivamente biomédico e biocêntrico, por mais importante que ele seja como uma matriz disciplinar localizada e eficaz. 
Em suma, parece ter amadurecido o tempo deuma Sociologia e Antropologia da Saúde, para além de uma Antropologia e Sociologia Médicas, da doença e da perspectiva da clínica médica, como apontou alhures Montagner (6).
Esperamos que nossos leitores aproveitem e se apropriem deste projeto aqui apresentado e permitam que suas pesquisas, mais ou menos biomédicas, se tornem cada vez mais permeáveis e sensíveis às interpretações de cunho socioantropológico e da abordagem das ciências humanas em geral. 
Boa leitura!

Referências
1. Jaisson M. Les lieux de l’art: études sur la structure sociale du milieux médical dans une ville universitaire de province. [Tese]. Paris: EHESS; 1995.
2. Jaisson M. La mort aurait-elle mauvais genre ? La structure des spécialités médicales à l’épreuve
de la morphologie sociale. Actes de la recherche en sciences sociales: médecines, patients et politiques de santé. 2002 jun.; (143):44-52.
3. Brian É, Jaisson M. Le Sexisme de la première heure: hasard et sociologie. Paris: Raisons d’agir;
2007.
4. Straus R. The Nature and Status of Medical Sociology. American sociological review. 1957;22:200-204.
5. Bury M. Chronic Illness as biographical disruption. Sociology of Health and Illness. 1982 july;4(2):167-82.
6. Montagner MÂ. Sociologia médica,sociologia da saúde ou medicina social? um escorço comparativo entre França e Brasil. Saúde Soc. 2008;17(2):193-210.

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